Sines é um cais onde todos podem aportar
No final da noite de 29 de julho, Raquel Carrilho, jornalista do jornal i, encontrou-se com o saxofonista David Murray nos bastidores do FMM Sines - Festival Músicas do Mundo. Sabia que o músico norte-americano tem casa em Sines há mais de uma década e perguntou-lhe o que o tinha conquistado na cidade.
David Murray respondeu: “As pessoas. Apesar de ser uma cidade pequena, Sines não é uma cidade burra. Basta ver a forma como abraçam este festival. Muitas das pessoas que vivem aqui podiam estar em qualquer lugar do mundo, mas decidiram ficar e tentar fazer algo pela sua cidade. Há muitas pessoas brilhantes em Sines e eu gosto de fazer parte dessa equipa".
Foi através do festival que David Murray, um dos grandes mestres do jazz da atualidade, conheceu e se apaixonou por Sines. O mesmo acontece há 18 anos com artistas, mas sobretudo com espectadores de todas as origens. Na edição mais recente do Festival Músicas do Mundo, Sines voltou a mostrar-se e a encarnar o seu lado mais cosmopolita, acolhendo centenas de músicos e milhares de espectadores para uma celebração do valor do multiculturalismo num tempo em que ele é posto em causa, não apenas em regimes autoritários, mas também em democracias sólidas um pouco por todo o mundo ocidental.
A comunicação social presente – uma centena de jornalistas portugueses e estrangeiros – realçou este posicionamento, que, sendo político, é tão só uma expressão da identidade do festival. Para Valdemar Cruz, que acompanhou o FMM para o jornal Expresso, este é um acontecimento onde se prefere “a tentação do risco à facilidade dos caminhos já traçados”, um palco “por onde passam vozes, músicos, cujo dia a dia é feito de resistências. Resistência ao silêncio. Resistência ao afastamento das televisões e das rádios. Resistência à indiferença. Resistência à normalização. Resistência ao acondicionamento num gueto musical."
Essa resistência faz-se de compromisso, fidelidade e identificação. Como disse o diretor artístico e de produção do festival, Carlos Seixas, ao jornal Expresso, há no FMM um “compromisso estimulante entre todos - público, artistas, técnicos e produtor - com fidelidade a princípios e a identificação de que respeitar e aceitar o diferente torna-nos mais iguais. A diversidade é a realidade viva do mundo de hoje e não tem fronteiras".
Em 2016, o FMM Sines programou 47 concertos de 32 países, entre os quais o Egito, a Estónia, a Geórgia e a Mauritânia, que nunca tinham estado representados no festival. O mundo, e particularmente, o mundo da música, parece maior quando se está no festival – ou então parece do tamanho verdadeiro e rumar a Sines é como fazer um tratamento à miopia cultural: aqui, abrem-se os olhos para ver mais longe e mais fundo.
É essa a explicação de Billy Bragg, o cantautor britânico que atuou no último dia do FMM Sines 2016 e que, em entrevista à RTP África, afirmou: “No século XX, a música era como um rio e, se nos sentássemos à sua beira poderíamos descobrir música interessante a passar e envolver-nos com essa música. Agora, com a música digital, é como estar no meio do oceano. Apenas vemos o que está perto de nós e existem coisas longe e no fundo do oceano que nunca encontramos por acidente. Isso é uma pena e, um festival como este, onde existe música de todo o mundo, é uma oportunidade para ver mais fundo no grande oceano da música e descobrir coisas que nunca viste e identificares-te com elas.”
Na organização, o festival manteve em 2016 o modelo dos anos anteriores: primeiro fim de semana em Porto Covo, chegada a Sines com dois dias de transição no Centro de Artes de Sines e Largo Poeta Bocage, e quatro dias de alta rotação centrados no palco histórico do Castelo e no palco grande da Avenida Vasco da Gama.
No balanço do evento, o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, realçou o “feedback muito positivo” que recebeu dos agentes da economia local, em especial da restauração e dos alojamentos. O público atingiu números “idênticos aos de edições anteriores”, acima dos 90 mil espectadores. Entre os apoios ao evento, duas novidades: a parceria com a Fundação INATEL e o financiamento da Turismo de Portugal para a promoção internacional.
Para 2017, o presidente da Câmara promete algumas inovações: “Será um ano para melhorar. Queremos fazer algumas alterações no interior do Castelo para melhorar os espaços de artistas e comunicação social. Porto Covo é uma aposta ganha e para continuar, mas o espaço da Praça Marquês de Pombal é limitado e vamos procurar alternativas”.